quarta-feira, 10 de março de 2010

em quem você jogaria bosta?

Geni e o Zepelin é uma das minhas músicas favoritas do maior gênio da música brasileira, o Chico.

a música, além de construir uma personagem complexa e extremamente interessante (a Geni), denuncia o machismo, a hipocrisia e a covardia de indivíduos em particular e de toda uma sociedade.

eu admiro a Geni por ser tão liberta quanto à sua sexualidade, por possuir o capricho de preferir "amar os bichos" a deitar com um "homem tão nobre, tão cheirando a brilho e a cobre", por ter salvo a cidade que a humilhava às custas de enfrentar o próprio asco, entre outras razões.

você jogaria bosta na Geni? (se sim, não se manifeste, pois jogarei bosta em você)

se não ela, quem seria o seu alvo? o Bispo, o Banqueiro, o Prefeito, o Comandante, a População, todos eles? por quê?

eis a poesia do Chico:

"De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir

Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni


Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelin
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelin gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo
- Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão

Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelin prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir

Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni"

17 comentários:

  1. Quase uma Maria Madalena.
    Interessante o "Bendita Geni". Aliás, a quinta estrofe é a melhor porque traz questões fundidas na religiosidade cristã. Uma mescla de hipocrisia e contradição tão enraizadas que se manifestam sem pudor e piedade. Se bem que olhando numa música, parecem atitudes tão horríveis essa que as pessoas apresentam, mas tenho certeza de que não é tão irreal.

    Eu jogaria bosta em muita gente que acho que não presta, mas soaria como um discurso metafísico, então não jogo nada em ninguém.

    Ah, eu gosto do Chico como compositor, mas como cantor... a voz dele é péssima!

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  2. gostei da sua comparação com a Madalena.

    essas "atitudes horríveis" não são NADA irreais.

    eu diria que a minoria das pessoas realmente acreditam nas idéias que embasam essas atitudes da música. a maioria restante se divide em dois grupos: o daquelas que não pensam, por isso constróem a sua crença de acordo com o senso comum; e o daquelas que agem impulsionadas pelo "instinto ou espírito de grupo".

    o caso da aluna da Uniban tá aí pra confirmar que muita gente se encaixa no segundo grupo. quanto ao primeiro grupo, não precisa exemplificar, né? heheh

    qual o problema de usar uma metáfora para "condenar" alguém? ainda mais que a música nos deu uma de bandeja..

    as composições, musical e poeticamente, são indiscutíveis, mas a voz vai de gosto mesmo.. eu aprecio a voz dele.. mas também não sei se consigo separar a voz do resto do artista, então pode ser que eu tenha me acostumado a gostar só porque ele é O cara, hehehe

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  3. Nossa... eu gosto muito da música também e acabei não lembrando de postá-la em nossa segunda musical....

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  4. Will, por que jogaria bosta em pastores?

    ele são um conforto pra muita gente.. muitas pessoas precisam deles

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  5. Pastores e personagens do gênero são um dos principais motivos pra que tenham vontade d jogar bosta na Geni.

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  6. isso é verdade..

    mas acho que o preço de propagar idéias preconceituosas é bem pago pela divulgação de idéias legais e pelo bem que eles fazem a muitas pessoas.

    a gente não tem noção disso, mas, principalmente entre as pessoas muito pobres, é comum que a igreja, o pastor, sejam a verdadeira salvação pra vida delas.

    grande parte dessas pessoas tem um nível de instrução tão ridículo que elas simplesmente não tem capacidade de pensar criticamente sobre as coisas: nesse caso, é muito reconfortante ter alguém que venha pra te dizer o que é certo, o que é errado, o que é legal e o que não é. se a gente explodisse todos os pastores e as igrejas do mundo de uma hora pra outra, as crenças dessas pessoas não iriam mudar muito, uma vez que os princípios da(s) religião(ões) já estão impregnadas nas culturas das sociedades de maneira a terem se tornado senso-comum (logo, a pessoa que adota as crenças que lhe dizem acreditaria nas mesmas coisas).

    já para desenraizar essas crenças, precisaríamos de séculos e séculos em que a influência das igrejas fosse pouco relevante.

    eu tenho muita vontade de conhecer o Japão. um dos motivos é que lá cerca de 65% da população é ateísta (é a maior porcentagem do mundo ou uma das maiores). eu gostaria de tentar entender qual o papel disso na cultura deles (inclusive a sexual, que é bem desenvolvida, por sinal).

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  7. Ah, Kika. Nem fui intolerante, vai... Só disse q é preciso ter cuidado quando se aceita certas coisas. Ainda mais algo tão absoluto e imutável como uma religião. Outra coisa... Pastores são pessoas da própria comunidade, ou seja, com nível de instrução semelhante ao dos fiéis. Isso também é perigoso às vezes. Quem não viu a reportagem do fantástico de um pastor que defendia a poligamia só pq tinha lido errado uma palavra na bíblia? Coisa de um acento agudo q ele ignorou.

    Enfim... Ñ tô criticando aqui a escolha das pessoas quanto à escolha da religião ñ. Sou contra essa escolha em particular, mas meu ponto aqui é não dar graças a Deus (xD) por existirem pastores para guiar espiritualmente E SOCIALMENTE quem quer q seja, e sim tentar pensar, sugerir e até pôr em prática outras formas menos engessadas de se ajudar os outros.

    Concordo c/ a Kika no resto. Essas coisas não são meros instrumentos de conforto dos pobres sem instrução e sequer são meros instrumentos de conforto de quem quer q seja. Seu papel vai além disso, mas deixa pra lá.

    Antropologicamente, ñ existem culturas mais desenvolvidas que outras, de fato. Mas acho que ele disse desenvolvida no sentido de ser muito trabalhada, a sexualidade lá é desejada E oferecida de formas muito mais diversas do que por aqui.

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  8. Ih, relaxa, Will, estava só implicando com você. :P

    E não necessariamente pastores são da própria comunidade. Já vi pastores com um grau de instrução elevado, aliás. Claro que é mais difícil, mas existe. Tem igrejas que exigem que o sujeito, para ser de fato pastor, tem que montar uma igreja em algum lugar distante e tal.
    Mas bem, isso não é discutível. Não para quem toma a Bíblia como verdade, já que nela mesma está dito que para se ter Deus não é necessário ser erudito. Isso sim eu acho cruel, porque acaba que qualquer um pode ser esse guia (até mesmo uma menina pastora da vida) e ludibriar pessoas. Ilusão e alienação é bom. Bem menos assustador e mais confortante.
    Ah, eu acho fascinante uma pessoa que tem fé.

    Eu acho japoneses estranhos nesse sentido da sesxualidade. Ou talvez tenha sido eu que só tenha visto coisas bizarras.

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  9. foi isso que eu quis dizer mesmo Will.. mas brigado por me corrigir, Kika, eu realmente me expressei mal..

    "E nem acho q é necessário ter instrução para pensar criticamente as coisas, mas a instrução serve de base para ter um pensamento mais claro sobre as coisas, de fato."

    Will, você já leu 1984? resumindo o livro, ele conta a história de um estado totalitário que tenta controlar todos os aspectos das vidas das pessoas (até as emoções e os pensamentos). foi desse livro, aliás, que surgiu o Big Brother (o Estado era chamado Big Brother no livro). então, uma das ferramentas mais poderosas para controlar os pensamentos da população (e, por conseguinte, qualquer possibilidade de revolta ou insatisfação com o regime) era a nova língua que eles estavam criando. nessa nova língua existiam pouquíssimas palavras, e palavras indesejadas como "rebeldia", "liberdade" e "amor" era suprimidas. qual a questão envolvida nisso? é que, junto com as palavras, morrem as idéias que elas representam.. se não existisse a palavra "rebeldia" ou quaisquer sinônimos e palavras próximas, essa idéia simplesmente não existiria e, por conseguinte, as pessoas não se revoltariam.

    as palavras constituem as engrenagens do nosso pensamento.. se não tivermos domínio da linguagem, então não conseguimos construir pensamentos complexos. é por isso que pessoas com pouca instrução tem "mais dificuldade pra pensar". pense num analfabeto funcional (um exemplo extremo). o cara sabe ler cada uma das palavras de um texto, mas não consegue compreender um parágrafo completo.

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  10. Kika, como assim acha fascinante uma pessoa que tem fé?

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  11. Ñ sei o q é pior. O pastor q engana ou o pastor q, apesar da sua missão de ser guia para os outros, também é ludibriado.

    A gente tb viu coisas bizarras, Kika. Mas prefiro chamar d "criativas"...

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  12. no meu dicionário

    "estranho" = "foda, vamos fazer também"

    to brincando.. nem sempre (mas quase)

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  13. Nunk li o livro, mas conhecia a história. Ñ concordo q junto c/ as palavras morrem as idéias ñ, mas vamos deixar isso pra mesa de bar. Temos q ir fazendo uma lista de assuntos a discutir.

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  14. eu entendo porque você pensa assim, mas acredito que possa te convencer do contrário na mesa de bar (e acho que nem vou precisar te empurrar muitas bebidas para tanto, haha)

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  15. Acho fascinante uma pessoa que tem fé de verdade, Caio, porque isso é difícil. E não falo de pessoas que se ligam em religião, mas que têm um pensamento voltado à ideia de amor. E acreditar em algo que a razão não explica é algo fascinante e, de certa forma, traz uma imensa paz de espírito. Já vi pessoas sem muita coisa, mas com uma enorme alegria dentro de si. Há quem alcance isso sendo monge, não sendo nada, sendo pastor, padre... enfim, essa fé eu acho fascinante.

    Nossa, tem coisas estranhas que não dá nem pra cogitar a possibilidade de se fazer. hahueiueihaeioa

    E Caio, discordo das suas considerações sobre a palavra e a linguagem. O ser humano não precisa de uma palavra específica para representar tal coisa. O surgimento de uma palavra e seu uso está ligado ao contexto social. Se há uma motivação social para a existência de uma palavra, ela certamente vai existir. É o ambiente que decide se haverá uma palavra e não o contrário.
    Seu comentário foi interessante porque me lembrou o mundo das ideias de Platão.

    E a linguagem não está atrelada à palavra. Aliás, linguagem é qualquer tipo de manifestação de alguma língua (pode ser oral, escrita, gestual...). O ser humano é dotado da capacidade da linguagem segundo a visão inatista. O cara pode dominar a linguagem oral e não saber produzir uma crítica mais contundente, por excemplo. A dificuldade em alguém formular um pensamento mais complexo tem a ver com o tipo de ambiente no qual a mesma está incluída, as pessoas ao redor, o tipo de estímulo que têm´a escolaridade... enfim, longo papo para se bater num comentário de um blog.
    Eu diria que o bom é o cara ter domínio da língua para saber mudar a linguagem.

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  16. Se eu estiver sendo mala, pode puxar minha orelha, Caio. hauiehuheiuhiuheiu

    Esse livro ainda está entre os que tenho de ler. Assim que fizer isso, talvez entenda melhor a sua opinião.

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