domingo, 22 de agosto de 2010

Culpa Cristã

O post herege de hoje é menos sobre a religião em si e mais sobre uma epifania que eu tive enquanto praticava meu exercício diário de crítica à religião do papa.

Recebi no ônibus um panfletinho que ensinava a se aproximar de deus e essas coisas, mas infelizmente uma amiga jogou fora por engano e não poderei postá-lo aqui. Eram uns 7 ou 10 passos, mas que soavam meio repetitivos. Dava pra resumir em 4.
1- Se entender como pecador.
2- Entender que deus é a salvação.
3- Se submeter a Jesus. [Eles de fato diziam que a idéia era ter Jesus como seu senhor absoluto e deixar sua vida nas mãos dele.]
4- Devotar sua vida à igreja.

Meu raciocínio foi o mais óbvio possível: é tudo uma cadeia para chegar ao passo 4, em que eles ganham contribuintes e trabalhadores voluntários. Mas tudo começa no passo 1, com uma premissa que eu já discuti aqui: todos somos pecadores e precisamos passar nossas vidas (ou todo o sempre, quando se pensa na humanidade como um todo) tentando compensar isso. Coisa de otário ficar pensando assim, né? Pois eu me toquei que eu fazia exatamente a mesma coisa.

Sabe aqueles desenhos animados em que um personagem salva a vida do outro e esse outro acha que está em dívida eterna e vira praticamente um escravo pro primeiro? É assim que eu me comporto, só que é baseado em algum vacilo meu e não no fato de terem salvo a minha vida. Me sinto culpado e me martirizo por isso.

Nada contra assumir a responsabilidade por algo ruim que você fez. Aliás, a falta de capacidade de algumas pessoas pra lidarem com os próprios erros já se tornou um problema MUITO sério na minha vida. Mas também não precisa chegar ao extremo que chegam os cristãos e eu de devotar suas vidas a algo que não é tão grave assim ou a própria pessoa que seria a vítima já perdoou.

Tenho uma amiga que é completamente contra a culpa e eu discordo dela. Pra mim, culpa é a palavra usada pra se referir à responsabilidade por algo ruim. E essa responsabilidade existe, ora bolas. Como dito no parágrafo anterior, isso me parece corretíssimo. Meu problema aqui é com a culpa cristã. Culpa esta que até eu tenho.

Esta mesma amiga afirma, e agora eu concordo, que a culpa (ou a responsabilidade por algo ruim, já que ela não gosta da palavra culpa) deve existir no sentido de reparação. E, justamente por isso, existir apenas até que o mal seja reparado.

Lembrei de um episódio que aconteceu na segunda Bacchanalia que fiz em minha casa. Um dos presentes estava com uma roupa toda branca e eu sem querer derrubei vinho tinto em seus trajes. Fiquei muito mal e implorei por perdão, por mais que ele parecesse tranqüilo. Ao que uma amiga nossa me alertou que Dionísio é contra a culpa e arrependimento. Aceitei a lição e até vi que ela faz sentido, mas só esta semana eu introjetei a idéia.

Sempre fui a favor de me martirizar pra mostrar à outra pessoa o quanto estava arrependido do vacilo X. Mas acontece que eu costumo me incomodar mais com o vacilo do que a verdadeira vítima. A pessoa me perdoa, mas eu não. E é aí que a gente volta ao folheto.

Primeiro que eu acho que o tal do pecado original não foi tão sério assim pra merecer a busca eterna da  reaproximação da humanidade com deus e, em caso de não conseguirmos, a danação eterna. Depois que, mesmo que tenha sido algo realmente grave, não dizem as lendas que deus deu Jesus, seu único filho (o que é estranho, já que dizem que somos todos filhos dele), para nos livrar do pecado original? Ou rolou um cordeiro-de-deus-que-tira-os-pecados-do-mundo-FAIL ou as pessoas continuam tentando reparar um problema que já foi resolvido.

E esses são justamente os dois erros nos quais eu insisto: me preocupar com um problema que não é tão grande e continuar me martirizando mesmo quando o erro já foi reparado. Enxerguei o problema e acho que mudei. Espero...

Enfim... Tudo isso serve pra vermos o quanto da cultura judaico-cristã molda nosso comportamento e às vezes nem nos damos conta. E não posso deixar de admirar a ironia que foi ter uma epifania dionisíaca ao analisar um panfleto cristão. Deus opera mesmo de formas misteriosas... Evoé!

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