domingo, 4 de abril de 2010

Fruto do Conhecimento: Dionísio

Quando contei por alto a lenda de Dionísio, fiquei devendo uma tentativa de interpretação dessas histórias. Lembro que esta é uma leitura minha e que qualquer um é livre para fazer a sua. Confira outros posts da série Fruto do Conhecimento.

A história começa com o bebê Zagreu sendo devorado por titãs e tendo seu coração resgatado por Zeus para depois habitar o ventre de uma princesa tebana. Esta sua segunda mãe, Sêmele, morreu enquanto estava grávida e novamente o pequeno deus teve de ser salvo por seu pai. Deuses são imortais e possuem parentes imortais. Dionísio, por outro lado, conhece a agonia de ter sido privado da vida (duas vezes) e conhece muito bem a dor de perder um ente querido. Nem mesmo Hércules, que nasceu mortal e ascendeu ao panteão grego após passar por inúmeras provações, sofreu tanto. Por isso Dionísio, mais que qualquer outra divindade, valoriza a vida. Por isso ele, mais que qualquer outra divindade, vive com tanto entusiasmo.

Era de fato o único deus a fisicamente caminhar entre os mortais. Os outros faziam-se humanos em situações bem específicas. Baco era um de nós, compreendendo nossas angústias e dificuldades. Criado entre as ninfas, tornou-se um deus muito mais ligado às mulheres. As mesmas mulheres que eram menores na cultura grega e que não recebiam atenção dos outros deuses masculinos, eram até mais importante que os homens para o deus da liberdade. Isso faz dele também um deus da igualdade ou até dos desfavorecidos.

Mesmo escravos também faziam parte de seus cortejos. Certa vez, Baco foi capturado e pretendiam vendê-lo como escravo. Exceto pelo único que demonstrou compaixão pelo deus, todos na embarcação transformaram-se em animais e o navio foi destruído. Isso nos ensina que ninguém deve ser escravizado e que a força dionisíaca não pode ser contida.

Com os sátiros, adquiriu o gosto por festas e bebidas. Uma das lendas conta que foi a amizade com um jovem sátiro de nome Ampelos que o fez criar o vinho. Ampelos morreu ao montar um touro enfurecido e Dionísio, arrasado, derramou ambrosia (o líquido divino) em suas feridas, fazendo surgir a vinha. Espremendo o fruto, ele declarou "amigo, a partir de agora serás a cura para todos os males do coração do homem". Ou seja, essa história de afogar as mágoas é antiga...

Outro sátiro que merece destaque é Sileno. Foi o tutor de Dionísio e o maior responsável por seu estilo de vida. Diz-se que era um grande sábio e bebedor de marca maior. Contam também que, quando bêbado, Sileno possuía poderes premonitórios. Os antigos não menosprezavam as palavras saídas da boca de alguém entorpecido. Há mais sabedoria nelas do que as mentes fechadas conseguem compreender. A bebida entra, a verdade (sobre o universo) sai.

Seus tios enlouqueceram e até o próprio deus passou por um período de transtornos mentais. Isso virou sua marca registrada e todos aqueles que se colocavam em seu caminho enlouqueciam e tinham mortes violentas. Na peça As Bacantes, de Eurípedes, as mulheres da cidade abandonavam suas funções para acompanhá-lo. A ordem social era "ameaçada", os governantes tornavam-se inimigos do deus por causa disso e, invariavelmente, sofriam as terríveis conseqüências. Dionísio representa a revolução.


As bacantes também experimentavam a loucura durante os cultos e se tornavam capazes de feitos inimagináveis. A própria realidade deixava de fazer sentido quando Dionísio estava presente. Havia liberdade mental e física.

Teve muitas mulheres, mas seu verdadeiro amor foi a princesa Ariadne. Quando ela morreu, Baco criou uma constelação em sua homenagem (Corona Borealis). Mesmo o deus mais libertino também possui sentimentos profundos. Estes mesmos sentimentos fizeram-no, inconformado com a morte, descer ao reino de Hades para resgatar sua mãe e levá-la para o Olimpo consigo.


Moral da história: Dionísio não é um deus que vive acima dos homens, mas que caminha com eles. Entende seus sofrimentos e valoriza a vida. Ama e odeia intensamente. Festeja, transforma, liberta.

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