quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dionísio e a Mídia

Pesquisando não lembro o que, achei este texto. Como estudante de comunicação e entusiasta de Dionísio, quase fiquei de pau duro. Ainda não tive tempo de ler, mas resolvi compartilhar com vocês logo. A linguagem é acadêmica, então esteja preparado quando for ler.



Relembremos o mito de Dionísio: filho de Perséfone, a rainha do mundo subterrâneo, e Zeus, é dilacerado e devorado pelos titãs, só dando tempo a Atena de resgatar seu coração, que o pai come. Depois, Zeus fulmina os titãs. Das cinzas deles, nascem os homens, que contém em si uma parte divina, vinda de Dionísio, e uma parte oposta, vinda dos titãs. Dionísio renasce da conjunção de Zeus com Sêmele. Os rituais dionisíacos, como os das mênades, mostram Dionísio enlouquecendo as pessoas e também libertando-as da loucura. (LÓPEZPEDRAZA, 2002, p. 31). Nesse caso, a loucura é uma experiência a partir da qual é possível o renascimento.

Se Dionísio – “deus em oposição aos titãs; o deus das emoções; o deus mais reprimido da cultura ocidental; o deus das mulheres, do vinho, da tragédia e o deus que possui uma forte conexão com a morte” (LÓPEZPEDRAZA, 2002, p. 9)– estivesse presente nas comunicações com toda sua integridade, toda sua força criadora e contestatória, poderíamos caracterizar as comunicações como um fator de equilibração psicossocial, que permite ao homem individual a introspecção, entrando em contato com seu subsolo arquetípico, se autoexaminando e reelaborando sua existência. No entanto, um mito, ao chegar ao ponto de se institucionalizar, como ocorre com Dionísio na mídia, passou por um processo de enrijecimento, de absolutização de certos aspectos e de4dissolução de outros, de modo a perder seu equilíbrio e coesão internos.

Nesse ponto, como diz Durand (1996), o mito carrega um nome que não é seu. Podemos dizer que a mídia, talvez para domar as forças dionisíacas, reprime boa parte do mesmo mito. Tomemos o exemplo sempre disponível da imagem televisiva: A imagem, por sua sucessão rápida na superfície da tela, entranha, com efeito, excitações visuais e psíquicas, em altas frequências e densidade, que instalam o sujeito espectador em um estado quase cataléptico. O desfile das imagens aprisiona a atenção, atenua o umbral de vigilância do mundo e instala a consciência em uma espécie de fascinação exclusiva (WUNENBURGER, 2005, p. 29).

No seguimento da análise, Wunenburger apresenta o espectador como um possuído que renunciou a identificar, a julgar, a avaliar cada uma das solicitações propostas pela tevê. Se é possível identificar aqui uma importante ação de Dionísio, aquela que leva o sujeito a um estado de embriaguez, falta a respectiva viagem interior que promoveria a contraparte da loucura: a libertação e a recriação de si. Não será por acaso que justamente a conexão que Dionísio nos insta a fazer com nosso ser mais profundo é banida quando de seu comparecimento na mídia.

Durand nos dá pistas para entender a imperiosidade da repressão desse aspecto do mito de Dionísio nos nossos tempos ao opor duas visões do homem. Uma, a chamada tradicional, figurada por homens que, de acordo com a psicanálise, a etnologia psicológica e a psicologia das profundezas são providos dos mesmos desejos, das mesmas estruturas afetivas e para quem as mesmas imagens (simbólicas) “se propagam tanto no espaço como no tempo, de um extremo a outro da humanidade” (DURAND, 2008, p. 15). Outra, figurada pelo homem ocidental, o homem filosófico, que busca o progresso do saber e luta contra os obscurantismos, dissociando cultura e natureza. Para o homem da tradição, “a vida é um êxodo, um retorno. A razão de ser do homem, de seus atos assim como de seu pensamento, é a recondução para além da queda, para além da separação” enquanto “Deus, para o espírito filosófico, é uma ameaça externa à sabedoria totalmente humana que o homem, privado do intelecto divino, construiu” (DURAND, 2008, p. 53).

Se considerarmos, com Durand, a ontologia do imaginário, entenderemos por que, mesmo quando as sociedades enaltecem o pensamento racional, crendo-o purgado de todos os mitos, ainda assim são mitos que a vitalizam. É por isso que temos esse Dionísio produzindo imagens nos nossos dias. Para se adequar ao superego societal, sofreu um processo de alijamento de sua potência religiosa, de sua capacidade de recondução do ser à sua essência.

E assim retornamos ao ponto de partida, ou seja: num regime de visualidade, com um Dionísio enrijecido presidindo a mídia e, por consequência, tendo-se o princípio do prazer por norma, há que se minimizar qualquer esforço. Não sobra muito espaço para imagens que nos protejam, como no regime ídolo; não há tempo para imagens que devem ser contempladas, como no regime arte; é possível, somente, perceber a imagem. É por isso que ela tem de ser mais e mais icônica, reduzindo suas contradições, fazendo referência ao já-dito, ao já-visto, ao já-sabido porque não há tempo nem disposição para novas sinapses. Compreensão e percepção têm de ser simultâneas, mas isso só acontece quando não há nada de novo pela frente. Eis a perfeita adequação da imagem estereotipada à contemporaneidade veloz.

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