sábado, 10 de julho de 2010

Dionísio, o Deus Feio

Fui a uma palestra essa semana que me fez viajar muito em cima do que o sujeito disse. Era sobre a estética da feiúra e suas representações nas artes.

Primeiro precisamos entender o próprio conceito de feio. Basicamente, belo é tudo aquilo no qual você se reconhece. Belo é o igual. E feio é o que é diferente, o que te causa estranhamento. E não está só ligado à aparência física. Belo acaba sendo tudo aquilo que é considerado correto, superior. E feio é seu oposto. Quem não lembra de ter ouvido na infância sua mãe dizer que fazer malcriação é muito feio? Pensemos, por exemplo, nos filmes do 007, com vilões deformados e o herói sendo bonito, atlético, sensual e tudo que conseguirmos pensar de bom. E em algum momento a mente se tornou mais bela que o corpo.

Sócrates. Gatinho, né?
Platão achava que Sócrates era belo, apesar de fisicamente não ser tão especial... Mas Platão dizia que o mundo das idéias é que interessava, então Sócrates era o garoto propaganda perfeito: intelectualmente brilhante e fisicamente opaco. Foi o momento em que a filosofia superou a religião grega, o intelectual superou o corpóreo, a ordem superou a desmesura, Apolo superou Dionísio.

Em função disso, tudo que é selvagem e, portanto, menos humano, passou a ser considerado feio. Pêlos pubianos são considerados feios, sujos... Talvez o tal do brazillian wax seja a maior contribuição do Brasil pra humanidade, uma vez que retira esse caráter selvagem das fêmeas.

Voltando a Platão, ele teria dito que o sexo é um dos maiores prazeres que o homem pode ter, mas ao mesmo tempo é uma das coisas mais feias de se ver. Por isso é feito entre quatro paredes. Talvez por ser um momento em que perdemos nossa humanidade e nos tornamos mais selvagens. Perder nossas feições humanas nos torna feios (segundo essa lógica de que o belo é o apolíneo). A loucura também é considerada feia. A embriaguez idem.

Selvageria, sexo, loucura, embriaguez... Porra! Isso é Dionísio puro! O que faz muito sentido. Se a ordem é considerada bela e é representada por Apolo, o deus oposto a ele, o outro lado da moeda, Dionísio e tudo ligado a ele será considerado feio.

Baco, de Caravaggio (1593-1594)
Mas aí me vem uma dúvida... Em As Bacantes, de Eurípedes, Dionísio é assim descrito por Penteu:

Não sem beleza teu corpo é, ó estrangeiro,
pelo menos para as mulheres; por isso em Tebas surgiste;
teus longos e anelados cabelos, não peleja,
mas paixão denunciam, pela face dispersos...
A nívea pele que tens, não é por falta de cuidados -
dos raios do sol resguardada, não da sombra.
Com tal perfeição a Afrodites cativas...




Se Dionísio é selvagem e tudo ligado a ele é feio, por que sua descrição na peça é tão ligada à beleza? Minha teoria é a de que o texto foi escrito já no período em que o selvagem era visto como feio e, por Dionísio ser o herói da peça, nosso deus não poderia ser receber uma descrição que não fosse digna de Apolo (por mais irônico que isso seja).

Não tenho certeza de quando a peça foi escrita nem de quando se deu essa vitória da ordem sobre a desmesura, mas em outras representações de Baco na Grécia Antiga, ele pode ser visto com uma aparência mais selvagem, com barba grande e feições nada delicadas.

Dionísio, de Cleofrades, pintado em um vaso grego
entre 500 e 490 a.C.
E pra você? O que é belo e o que é feio?

Um comentário:

  1. para ser terrivelmente belo, algo, para mim, tem que causar algum tipo de estranhamento.

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